Ao se colocar como peça do jogo político do país, Janja virou alvo de ataques

   Foto: Folha PE

Por: GABRIELA OIIVA

A atuação da primeira-dama Rosângela Lula da Silva, mais conhecida como Janja, durante este ano chamou a atenção não só da oposição ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de quem se tornou alvo, como também dentro do próprio Palácio do Planalto.

Sua participação em reuniões estratégicas do primeiro escalão e o seu papel na comunicação governamental representaram uma ruptura em relação ao perfil historicamente reservado associado a essa posição.

Janja, além de se posicionar em questões de gênero e opinar nas decisões de Lula, como ele próprio admitiu na última semana, focou em conectar-se com as chamadas pautas progressistas, com influenciadores digitais e também figuras culturais.

Embora tal estratégia tenha provocado reações adversas, essa estratégia ajudou a torná-la protagonista. E é justamente essa postura não passou despercebida tanto por aliados quanto por opositores do presidente da República.

Enfrentando críticas e hostilidades, suas posturas políticas foram intensamente questionadas, embora tenha trajetória de quase quatro décadas no Partido dos Trabalhadores (PT) e em empresas públicas, incluindo Itaipu e Eletrobras.

Com o início do governo do petista, ela mostrou que não queria passar despercebida. Recebeu veículos de imprensa nos Palácios do Planalto e da Alvorada para mostrar o que chamou de “má-conservação dos espaços”. O intuito era criticar a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Ao longo do ano, Janja liderou campanhas como a “Faça Bonito”, um movimento nacional de conscientização e combate à violência sexual contra crianças e adolescentes. E estimulou denúncia de casos de assédio sexual e moral por meio do canal 180. Depois, fez campanha de vacinação com a Xuxa.

E, apesar da baixa representatividade feminina no governo de Lula, a primeira-dama tem defendido, repetidamente, uma maior participação das mulheres na política. Só neste ano, deixaram o cargo: Daniela Carneiro (Turismo), Ana Moser (Esportes) e Rita Serrano (Caixa Econômica Federal).

Apesar dos esforços de se sedimentar como uma liderança feminina na política e uma primeira-dama ousada e do palanque, Janja frequentemente se vê alvo de comparações com a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, e vice-versa.

Isso foi desencadeado ainda em 2022, quando o apoio feminino se tornou um fator chave na disputa presidencial, levando ambos os candidatos do segundo turno a intensificarem suas abordagens e agendas com lideranças femininas.

A rivalidade entre figuras femininas no cenário político também não passa despercebida. O Partido Liberal (PL), de Jair Bolsonaro, tem explorado essa comparação entre as duas, mirando o eleitorado em 2024 e 2026.

Conforme apontado por Hannah Maruci, doutora e mestra em Ciência Política pela USP e co-diretora d’A Tenda das Candidatas, a tentativa de gerar conflito entre Janja da Silva e Michelle Bolsonaro ressalta um recurso da misoginia em ação no processo político e eleitoral.

“A comparação entre mulheres sempre foi uma forma do patriarcado agir para minar a atuação de mulheres, então esse movimento era mais do que esperado. A rivalidade, alimentada pelo clima de polarização política das eleições, é ainda mais forte quando é colocada sobre duas mulheres. Mais uma vez, um recurso da misoginia em ação”.

Excessos de Janja?
Embora tenha uma presença marcante nas redes sociais, esses canais se tornaram um ponto delicado para Janja da Silva. Seu estilo, em algumas ocasiões, é percebido como “inadequado” e que ultrapassa certos limites.

Um episódio recente ilustra essa situação: um vídeo postado por Janja ao chegar em Nova Délhi, em seus stories no Instagram, foi rapidamente removido após receber críticas. Nele, Janja afirmava: “Me segura que eu já vou sair dançando”.

O incidente, em 8 de setembro, ocorreu em meio a um ciclone extratropical que causou mortes no Rio Grande do Sul. Na ocasião, a primeira-dama acompanhou o presidente em uma agenda na Índia durante a Cúpula do G20.

Também durante o G20, Janja foi a única entre os cônjuges de líderes de 18 países e da União Europeia a participar das sessões de negociações, as quais foram fechadas ao público e à imprensa.

Em uma conferência eleitoral do PT, Janja respondeu às críticas: “Eu estava em uma reunião no G20 e todos ficam perguntando: ‘O que ela está fazendo lá com o presidente? Ela não foi eleita’. Dane-se, estarei sempre presente. Ninguém me concedeu aquele lugar. Eu o conquistei”.

Em novembro, outra polêmica em função de suas falas. Em entrevista ao jornal O Globo, ela disse que desejava ter um gabinete próprio no Palácio do Planalto, onde seu marido despacha com auxiliares. “Nos EUA, a primeira-dama tem. Tem também agenda, protagonismo, e ninguém questiona. Por que se questiona no Brasil?”, justificou.

Ataques nas redes sociais

Janja enfrentou ataques misóginos desde a campanha presidencial de 2022, atingindo o seu ápice em 11 de dezembro, quando sua conta oficial X, antigo Twitter, com mais de 1 milhão de seguidores, foi hackeada. Mensagens como “Sou uma vagabunda estuprada” e “Pode denunciar essa puta” foram postadas, expondo-a a um grave ataque virtual.

Além das ofensas direcionadas a Janja, o hacker também proferiu insultos contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes.

Janja retomou suas postagens na plataforma somente no último dia 17, quase uma semana após o incidente, após a Polícia Federal (PF) realizar ações em duas fases da operação contra os suspeitos da invasão.

Na terça-feira (12), ao lado de Lula no ‘Conversa com o Presidente’, a primeira-dama avaliou que as redes sociais estão acima das leis no Brasil e defendeu a regulação das plataformas, uma vez que, segundo elas, as empresas do setor é que ganham dinheiro com a propagação de discursos de ódio.

No dia seguinte, foi surpreendida por um ataque do próprio dono do X, Elon Musk. Ao comentar uma notícia sobre o tema, o bilionário ironizou as explicações de Janja sobre o tema, e disse: “não está claro como alguém adivinhar a senha do e-mail dela é nossa responsabilidade”.

O papel de primeira-dama e ataques políticos

Segundo Hannah Maruci, a posição de primeira-dama é um papel intrinsecamente político que só subsiste em sociedades patriarcais. Este papel pressupõe não apenas que o eleito seja do sexo masculino, heterossexual e casado de acordo com moldes tradicionais, mas também que a esposa deseje participar ativamente na construção simbólica e imagética do mandato de seu marido.

“O papel político de primeira dama é baseado pelos mesmos valores que impediam as mulheres de votar, além do machismo, a ideia de que a família é um sujeito político e a mulher individual não. Por isso, se uma primeira dama não se presta a esse papel, ela incomoda, porque não se espera que ela tenha real influência política”.

Gabriela Rollemberg, advogada e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), observa que toda mulher que ingressa no campo da política enfrenta risco à própria existência por causa da misoginia.

“Não importa o cargo, o partido ou o país. Janja está passando o mesmo que todas as mulheres que ousaram ocupar espaços de poder vêm sofrendo ao longo dos anos, independentemente de sua posição ideológica”, avaliou.

“No Brasil, Dilma Rousseff, Simone Tebet, Joice Hasselmann, Tábata Amaral, Manuela D’avila, Marielle Franco, entre tantas outras. Essa é a violência política que nós sofremos diariamente e também uma das razões que mais afastam as mulheres da política ou as fazem desistir da vida pública”, completou Gabriela.

Com informações do O Tempo

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